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PolíticaPortugal

Polémica: Portugal e a reparação dos crimes coloniais

João Carlos
26 de abril de 2024

Presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse que Portugal deve assumir os crimes coloniais cometidos nas antigas colónias. Filipe Nyusi, de Moçambique, salienta que tais atos "são indesculpáveis".

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Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reacendeu o debate sobre as reparações dos crimes coloniaisFoto: Pedro Nunes/REUTERS

Portugal deve assumir responsabilidades e reparar os crimes cometidos nas suas antigas colónias em África, defendeu, esta semana, Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente português disse não ser defensor de pedidos de desculpa formais, sublinhando que é preciso "assumir a responsabilidade total" dos massacres levados a cabo pelo regime colonial nos antigos territórios.

"Nós somos responsáveis por aquilo que lá fizemos. O que fizemos lá, nos massacres, teve custos", afirmou o chefe de Estado português num jantar com jornalistas da imprensa estrangeira em Lisboa, antes das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974.

Marcelo Rebelo de Sousa entende que "há que pagar os custos" de tais crimes cometidos durante o período colonial, pois os responsáveis não foram punidos.

"Têm que ser punidos", frisou, aludindo também aos bens espoliados "que não foram devolvidos". Rebelo de Sousa sustentou a necessidade de se "fazer a reparação disso" para corrigir os erros, porque, segundo as suas palavras, "trata-se de comportamentos históricos inaceitáveis".

Massacres de Mueda e Wiriyamu

Ao discursar, na quinta-feira, no evento comemorativo do 25 de Abril que contou com a participação dos chefes de Estado dos países africanos de língua portuguesa e de Timor-Leste, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, foi o único estadista convidado a tocar nas feridas do passado colonial português.

Nyusi recordou, por exemplo, os massacres de populações inocentes em Mueda, a 16 de junho de 1960, e de Wiriyamu, a 16 de dezembro de 1972, entre outros perpetrados pelas tropas coloniais portuguesas.

"Estes atos, nunca atribuídos ao povo português", sublinhou, "são indesculpáveis", porque "desonram a nossa história". O Presidente moçambicano afirmou, por isso, que tais massacres ocorridos em Moçambique "merecem a vigorosa e perpétua condenação de todos os homens que respeitam a vida e a dignidade humana".

Portugal acolheu os presidentes dos PALOP e Timor-Leste a 25 de abril
Presidentes dos PALOP e Timor-Leste no ato comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril, no Centro Cultural de Belém.Foto: João Carlos/DW

As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa geraram irritação entre líderes de alguns partidos políticos, incluindo André Ventura, do "Chega", que criticou o Presidente português durante a sessão solene comemorativa da Revolução dos Cravos.

O politico questionou: "pagar o quê, pagar a quem?"

André Ventura disse, com voz exaltada, que Rebelo de Sousa "foi eleito pelos portugueses" e "não pelos guineenses, brasileiros e timorenses".

"É os portugueses que temos de respeitar antes de tudo. Eu amo a história deste país e o senhor Presidente também devia amar a história deste país", advertiu.

Assumir a história com frontalidade

Eurico Correia Monteiro, embaixador de Cabo Verde em Portugal, distancia-se de tais críticas e da polémica que daí se gerou por não ter a perceção exata de todo o contexto e implicações das palavras de Rebelo de Sousa.

Filipe Nyusi entre os presidentes dos PALOP e Timor-Leste presentes em Lisboa
Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, não quer que os "erros do passado se repitam"Foto: João Carlos/DW

Em vésperas da celebração dos 50 anos da libertação dos presos políticos no Campo de Concentração do Tarrafal, no próximo 1 de maio, o diplomata disse ter outra perspetiva sobre os acontecimentos que marcaram o percurso histórico dos países lusófonos.

"Eu creio que é tão simplesmente o reconhecimento do nosso processo histórico comum, e também dele fizeram parte litígios, conflitos, confrontações", afirmou Eurico Correia Monteiro em declarações à DW África, à margem do encontro dos chefes de Estado no Centro Cultural de Belém. "Nós tivemos, de facto, ao longo dessa história alguns cruzamentos e alguns desencontros. Estes desencontros deixaram marcas", reconheceu o antigo preso político.

Monteiro recordou ainda "mágoas" e "ressentimentos" desse passado histórico comum, para realçar, cinco décadas depois do fim da ditadura, "a vontade de construir o futuro" juntos. Porque, lembrou, "não só de mágoas e de ressentimentos de coisas más" viveram os povos de Portugal e das antigas colónias.

"Sem perder a memória, nós devemos ter a capacidade de construir o futuro em conjunto", admitiu.

O chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, reiterou a importância de enfrentar os factos históricos.

"50 anos após o 25 de Abril, é tempo de encararmos os factos históricos com frontalidade, sem revisionismo, mas com honestidade, justiça e responsabilidade", disse. O estadista moçambicano não quer que os "erros do passado se repitam no contexto da civilização moderna, na atualidade ou no futuro".

À lupa: A luta pela independência e a Revolução dos Cravos